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Festa de Formatura, Episódio 4 – Coliseu

Coliseu

8 minutos


Os policiais me acompanharam até a sala de espera da Gare du Nord e partiram. Apavorado com a possibilidade de algum membro da gang me encontrar, fiquei conversando com um senhor gentil e educado, supostamente de Trinidad e Tobago. Depois de se declarar torcedor do futebol brasileiro, pediu-me sem maiores rodeios dinheiro emprestado (US$ 40), para comprar um bilhete no mesmo trem para Londres. Sua família me pagaria assim que chegássemos.

Estranhei o pedido, mas ficaria vigilante o tempo todo. Estava vulnerável após as fortes emoções do dia e me senti seguro por ter um adulto ao meu lado durante todo o trajeto. Fui comprar a passagem e ele me disse que poderia ficar com o bilhete, já que viajaríamos juntos. Relaxei e fiquei mais tranquilo. Entramos juntos no vagão, entreguei o bilhete a ele para mostrar ao controlador e nos acomodamos. Disse-nos que iria buscar a sua mala e voltaria logo em seguida – ainda faltava meia hora para a partida. Nunca mais voltou, e nunca me senti tão imbecil como nesse trem.

A sequência de acontecimentos desde a saída do metrô em Trocadéro até a partida do trem na Gare du Nord foi inacreditável. Só agora eu conseguia me isolar com meus pensamentos e começava a processar tudo o que havia acontecido. Com o barulho característico do trem em movimento, não estava mais com medo da gang me encontrar. A alegria pela partida de Paris havia dado espaço a uma raiva intensa de mim mesmo, por cair de forma tão banal em um simples conto do vigário – mesmo percebendo de forma inequívoca que tratava-se um golpe.

Um turbilhão de emoções me acompanhou de Paris a Calais, no ferry até Dover através do Canal da Mancha e no último trecho já em terras britânicas até Londres. Só fiquei mais tranquilo quando decretei que iria, de alguma forma, recuperar o prejuízo do valor da passagem perdida durante a estadia em Londres.

Na quarta manhã consecutiva em que o policial Archibald me acordou no terminal de embarque do Aeroporto de Heathrow, comunicou que na próxima me levaria ao juizado de menores. Expliquei a ele, na primeira manhã, após apresentar o passaporte e autorização, que tinha um London Explorer: passe ilimitado ao transporte público, que era válido no excelente ônibus de dois andares que ia para o Heathrow.

London bus
London Explorer: sempre o ônibus A2, de volta ao terminal do Heathrow


No final da primeira tarde em Londres, ainda cansado pela longa jornada do dia anterior em Paris, voltei ao aeroporto para assistir a decolagem do Concorde da British Airways. Como esperado, encontrei um terminal vazio, seguro e confortável. Resolvi dormir no próprio Heathrow e recuperar os US$ 40 que havia perdido no golpe da Gare du Nord. Assim estava quites com a minha vacilada e podia seguir viagem de forma mais tranquila.

Concorde
O saudoso Concorde, pousando pela última vez em Heathrow (2003)


De Londres segui para Oostende, Munique, Salzburg, Veneza, Pisa e Florença. Na Itália, minha pátria de sangue, fui abordado inúmeras vezes em estações de trem, por distintos senhores vestidos com ternos de grife, oferecendo dinheiro ou presentes em troca de uma aventura de pedofilia. Terminei minha viagem em Roma, desta vez sem o cicerone que me acompanhou na passagem de um dia, antes de Chamonix. Parecia que um ano havia passado desde então.

Voltei são e salvo para o Brasil. Consegui esconder a maior parte desta história até o dia que chegou em casa uma carta do Ministério da Justiça da França, dando ciência da prisão e do processo dos que me assaltaram em Paris. Neste ponto, achei melhor contar toda a verdade sobre a minha excursão na Europa. Paralisada e muda, minha mãe prometeu que nunca mais me deixaria viajar sozinho.

Para minha sorte, dona Lilian não cumpriu a sua promessa. Pelo contrário, sempre me incentivou a seguir os meus caminhos pelo mundo, me armando com valores e recursos para superar os obstáculos de cada jornada. Os percalços destas semanas de aprendizado também me forjaram, não apenas para as muitas viagens desafiadoras que viria a fazer no futuro, mas principalmente para os desafios naturais da vida.

Assim foi a minha formatura do ginásio, aos 14 anos.

Roma


Dedicado ao meu tio, que sempre me mostrou o caminho e sempre me incentivou a esquiar.


Este post é o último da série Festa de Formatura, composta por quatro episódios. Conheça a história completa:
Post anterior: Festa de Formatura, Episódio 3 – Arco do Triunfo

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Administrador de empresas (FGV), fundador da Atlantic Connection Travel (1996) e da ACT Afrika Tours & Safaris, operadoras de viagem especializadas em África e Ilhas do Índico, com sedes em São Paulo, Cape Town e Odessa.

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