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Festa de Formatura, Episódio 3 – Arco do Triunfo

Arco do Triunfo

8 minutos

O trem para Berna foi espetacular. Confortável, quente e seguro. Consegui me acalmar e descansar, mas entendi que teria que evitar certas situações de risco de agora em diante. Nas semanas seguintes, dormi em trens, aeroportos, albergues. Queria economizar ao máximo, para poder fazer outra viagem depois desta. Fui parado inúmeras vezes por policiais incrédulos, que liam a autorização e me interrogavam em seguida.

De Berna fui a Lucerna, bem antes da Chapel Bridge ser destruída pelo fogo, em 1993. Descobri que os albergues eram quase sempre longe do centro e só valia a pena o deslocamento nas cidades grandes, com permanência maior. Nas cidades menores, era mais fácil passar o dia e pegar algum trem à noite: qualquer trem, de preferência vazio e com cabines confortáveis. Rapidamente, desenvolvi técnicas avançadas para dormir nos trens europeus.

Paris foi minha primeira mega cidade por conta própria. Consegui me hospedar em um albergue no Quartier Latin e com a cobertura do metrô parisiense, me sentia confiante para explorar a cidade-luz. Resolvi ficar quatro noites, e partiria ao final do quinto dia para Londres. Foram dias memoráveis e sem surpresas: acordava cedo, andava o dia todo pela cidade e no fim da tarde, voltava ao albergue.

No último dia, quis ver mais uma vez a Torre Eiffel, já em clima de despedida. Peguei o metrô em Saint-Michel e desci na estação Trocadéro, logo atrás do Palácio de Chaillot. Antes que conseguisse achar a torre, fui cercado por uma gang. Eles me mandaram calar a boca e agir normalmente, sem parar de andar. Pensei em correr, mas um deles me pegou pelo braço e carinhosamente me abraçou. Se corresse, quebrava meu braço. Levaram-me aos fundos do palácio, onde não havia nada nem ninguém, apenas lixo.

Trocadéro
Trocadéro e Palácio de Chaillot, vistos da Torre Eiffel


Antes de ficar apavorado, pensei: “Ufa, pelo menos dessa vez não é culpa minha…” Eram quatro garotos e duas garotas, na faixa dos 18 anos. Estavam bem vestidos, claramente imigrantes e fumavam sem parar. Não foram violentos, tampouco gentis. Não falavam inglês e um deles não largava o meu braço. Pedi que me soltasse e disse que não iria fugir. Uma das garotas parecia estar no comando, e mandou soltar meu braço.

Não tinha muito a oferecer aos meliantes. Tinha uns poucos francos (sim, o euro só chegou mais tarde) que eles roubaram imediatamente, US$ 60 em traveller checks e o passaporte. Demais valores seguros, no locker da Gare du Nord. Examinaram os travellers, confabularam bastante sobre a minha nacionalidade, data de nascimento e concluiram que eu estava dando prejuízo ao grupo. Foi quando um deles mandou eu passar o meu casaco.

Pedi gentilmente que não levassem o meu casaco, comprado em Roma e já com valor afetivo. Expliquei que tinha pouco dinheiro e que sem o agasalho, iria congelar no inverno europeu. Eles perguntavam o que raios eu estava fazendo sozinho na Europa, e tentei confundi-los dizendo que estava trabalhando. Depois de muita negociação, eles toparam me deixar com o casaco, se eu trocasse os US$ 60 em travellers para espécie. 

A garota que parecia ser a chefona mandou eu deixar meu passaporte com ela, mas expliquei que sem ele, não trocariam os meus travellers no banco. Escolheu um deles para me acompanhar até o banco, sempre segurando o meu braço por trás do agasalho. Já sabia que ele não falava inglês, e esperei o momento certo para agir.

Entramos no banco e ficamos alguns minutos na fila do câmbio. Quando chegou a minha vez, ele soltou meu braço e ficou bem ao meu lado. Entreguei os travellers e passaporte à senhora do caixa e disse em inglês, com voz calma e serena: “Boa tarde senhora, por favor não troque os travellers, estou sendo assaltado, por favor chame a polícia sem chamar a atenção”. A senhora olhou para mim, sorriu e concordou. Senti uma enorme satisfação interna e comecei a esperar pela chegada da polícia.

Após conferir a numeração dos travellers, a distinta senhora contou o dinheiro, conferiu e começou a imprimir o comprovante da troca. Em resumo, não falava inglês e não entendeu patavinas do que eu havia dito. Quando percebi que meu plano havia falhado, saí correndo e gritando para uma área interna do banco, onde havia um segurança. Consegui chamar a atenção de um gerente que falava inglês e expliquei o que estava acontecendo.

O segurança colocou tanto eu como o ladrão, incrédulo com minha atitude, em duas salas separadas, fecharam as portas do banco e chamaram a polícia. Até a chegada da polícia, percebi que eu também era suspeito e não estava claro quem era vítima e agressor. Mas assim que o policial chegou, já reconheceu o rapaz como membro de uma conhecida gang da redondeza, algemou-o e saímos do banco para o carro onde aguardava seu parceiro.

Daí em diante, foram momentos surreais de perseguição aos demais membros da gang, com a sirene ligada, pelas belas avenidas da cidade-luz. Cena de filme policial. Não conseguimos encontrá-los, mas passamos por baixo do Arco do Triunfo antes de chegar na delegacia. Foram horas de depoimento com um tradutor: me fizeram contar em detalhes tudo o que havia acontecido, e explicar pelo menos umas 3 vezes o que eu estava fazendo sozinho em Paris com 14 anos.

Os policiais me trataram bem e me deram um lanche. Também notei que bateram bastante no ladrão, um velho conhecido na delegacia. Quando as burocracias terminaram, perguntaram para onde eu iria. Disse que estava com medo dos demais membros da gang me pegarem, e que iria diretamente para a Gare du Nord, pegar um trem para Londres. Tinha programado desta forma, e meus pertences já estavam na estação.

Mais uma vez entramos na viatura de polícia, desta vez com a sirene desligada. Levaram-me até a estação, e um dos policiais ainda me acompanhou até a sala de espera. Agradeci em francês, não apenas pela proteção, mas pela sequência mais surreal de acontecimentos que já havia vivenciado em minha existência.

Gare du Nord
Gare du Nord


Este post é o terceiro da série Festa de Formatura, composta por quatro episódios. Conheça a história completa:
Próximo post: Festa de Formatura, Episódio 4 – Coliseu
Post anterior: Festa de Formatura, Episódio 2 – Gare de Cornavin

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Administrador de empresas (FGV), fundador da Atlantic Connection Travel (1996) e da ACT Afrika Tours & Safaris, operadoras de viagem especializadas em África e Ilhas do Índico, com sedes em São Paulo, Cape Town e Odessa.

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